terça-feira, dezembro 15, 2009

O ovo apunhaldo


''é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver
as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa''
Enquanto o vento bate em meus cabelos, vou sentindo toda a brisa, esperando todo o tempo ficar mais azul muito mais lilás e procurando me encostar naquela velha cadeira de madeira na casa de meus avôs e a olhar fotos antigas em tons mais verde musgo ou até mesmo em vidas passadas(não sei ao certo) me pergunto até onde eu vivi, até onde foi imaginação, até onde eu fui realmente amada, até onde o amarelo do sol refletiu em minhas retinas e me trouxe a cor da vida?
Se chovesse agora certamente parte da chuva levaria o turbilhão que existe por trás dos meus olhos verdes transformando-os em algo como um gramado idílico ou uma relva suave, acalmando meus confusos e simbólicos pensamentos, mas como a chuva não virá (creio) ponho os braços e as mãos embaixo da cabeça apoiando-a e me esticando assim como se fosse me espreguiçar, sinto aquele áudio sobre hipnose que escutei no começo da semana voltar em minha mente querendo sugar-me em flashes um tanto quanto rápidos, não sei porquê mas veio em mim um êxtase puríssimo, voltando á aquela manhã de domingo ou a momentos outros lá dentro da barriga de minha mãe sendo acolhida e protegida e quem sabe acariciada, talvez eu esteja exatamente agora por de trás das pernas de minha mãe naquelas suas calças listradas e com meus vestidos longos me escondendo dos estranhos só para reservar meu ser, só para não me expor ao mundo grande tão cedo e assim sem querer me expor nunca acabo descobrindo se vive ou se devaneei, mas talvez agora já não tenha mais tanta importância, o grande polvo ainda me convida a desvendar as profundezas de dentro da noz ou do cosmo que é a minha mente, mas eu não sei se irei aceitar , simplesmente, só sei que.