terça-feira, novembro 30, 2010

Uma história de borboletas - Caio Fernando Abreu

''É assim mesmo eu disse. O mundo fora de minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles, não se detenha demasiado, pois correrá o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-lo: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois pousando correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deverás te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar pra dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos. trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas.''
Um peixe azul ia pulando nas curvas do oceano tempestuoso
movimentando sua calda carnosa com bailada sutis
girando nas ondas que vem a quebrar na rochas com algas da beira-mar
Talvez seja fácil a vida encantar tendo um abrigo para se guardar.

Na caixinha de veludo no fundo do armário,
esconde-se a bailarina e os poemas de amor
cantadas com rimas, mas sem bramir
estimulados por um flautista encantador de corações.

No ermo da terra encontrei o tal peixinho
que agora vinha mais devagarinho
pensei em oferecer parte minha como sua morada
mas pertence ao flautista todo meu ser.


Manoela Paschoal

''Os adultos não se lembram mais de como era
ser criança.
Mesmo quando dizem que sim...
Eles não lembram. Acredite!
Esqueceram tudo.
Como o mundo parecia grande.
Que podia ser difícil subir numa cadeira.
Como era sempre ter que olhar para cima?
Esqueceram.
Não se lembram.
Você também vai esquecer.
Ás vezes, os adultos falam como era boa
a sua infância.
Eles até sonham em voltar a ser criança.
Mas com o que eles sonhavam quando eram crianças?
Você sabe?
Acho que eles sonhavam com o momento em que finalmente seriam adultos.''

Será você produto do seu medo?

Para aprender a sonhar

Os navios bravios carregados de sonhos descarregam-se todos no selar da noite,no rugir do vento, no fechar de olhos. Se você assim como eu é portador de um sonho fracassado, saiba que nenhum dos produtos dos navios que desatracam nessa ilha tem garantia, mas se você for amigo do marujo, molhar a sua mão e der biscoito ao seu papagaio terá a chance de trocar seu sonho fracassado por um novo, mas em tamanho menor. Sabemos todos que sonhos são difíceis de cultivar e com sonhos não se pagam, não se compram os sonhos, se recebem de herança.
Outro dia encontrei um pequenino desses embaixo da árvore, ele me disse que os sonhos quando se tornam adultos são tão belos que chegam a cegar os olhos, mas que nem todos os sonhos são bons e que muitos morrem no trajeto, disse-me também que para ele o seu sonho era como uma sombra que de acordo com a luz parecem muitas, mas que na escuridão torna-se tudo, naturalmente me senti curiosa e sentei-me ao seu lado, cruzei minhas pernas e com um ar fanfarrão perguntei-lhe qual era o tal sonho, ele virou a cabeça perto do meu rosto e com um ar igualmente brincalhão me disse que o sonho dele estava em seus olhos e se eu não conseguia vê-lo mesmo assim será bem provável que suas palavras não me dissessem nada a mais e que igualmente era assim para todas as pessoas; depois de algum tempo percebi que estava só embaixo daquela árvore.



Nota: Estou fazendo uma faxina de papéis e encontrei esse texto de 2008, resolvi postar e eu não quis modificá-lo, apesar de tudo, representa bem os meus pensamentos do ano em que foi escrito.